sábado, 14 de outubro de 2017

Sobre novos significados

Quando aconteceu, eu nunca achei que seria possível sentir tanta dor. Mas aí veio a hora de entrar naquele salão e encontrá-lo ali, inerte, calado. Era tão difícil vê-lo calado. 

No segundo dia, a dor se renovou e, mais uma vez, eu pensei aqui comigo: não vai ser possível sentir tanta dor novamente. Só que vieram o terceiro dia, o quarto, o quinto, o décimo nono... Há trinta dias, minha rotina se tornou uma contagem. E na hora da dor aguda, a qual entendi ser a chamada de saudade, tudo que a gente pede é que a contagem seja regressiva. 

Em alguns momentos até pareço me sentir mais forte. Veja, se eu sobrevivi ao primeiro dia e à sequência que ele trouxe, será difícil me derrubar. Contradições ou apenas bobagem. Vejo-me fraca, sem forças. A minha primeira grande perda me derrubou. Pensar que a sequência dessa contagem caminha entre nós silenciosa, sem aviso prévio, é assustador. 

Eu sei que conforta ouvir que vai passar. Mas que me perdoe o clichê, pois não passa. A vida jamais será a mesma. O que ela faz, no ciclo contínuo da existência, é nos atropelar e seguir adiante. Muitas vezes sem nos permitir sequer tempo para olhar pra trás. 

Descobri que eu nunca havia sentido saudade. Já senti muita distância na vida, é bem verdade. Mas saudade, repare, ganhou um novo significado. Ressiginificar a vida é o grande legado da morte. 

A solidão perdeu o tom melodramático e agora representa perigo que deve ser evitado. O medo se tornou um gigante, que fica repetindo a todo instante que sim, acontece de verdade. Não poder fazer nada para recolher a dor que engole a nós e a quem mais amamos paralisa. A impotência se mostrou mais cruel.

Sinto tantas mudanças. Apego-me, no entanto, ao maior desses novos significados para enfrentar a realidade que destoa do mundo com a qual eu sempre estive acostumada. É o que tenta, timidamente, colorir o cinza que tingiu tudo. Cuidemos de quem amamos, cuidemos de quem precisa tanto de amor. Cuidemo-nos. Porque amor é cuidar e ser cuidado. 


Imagem: Google

sábado, 9 de setembro de 2017

Seguir

Eu não precisava passar por aquele caminho, mas senti que era necessária mais essa etapa e segui. Passei ali em frente, onde tantas vezes significou chegada, frio na barriga e respiração ofegante.

Tantas vezes eu lhe pedi pra aproveitar enquanto eu estava ali. Talvez não tenham sido tantas, mas eu pedi. Sabia que uma hora iria seguir e não olharia pra trás. Não é questão de orgulho, veja bem. É autopreservação, é cuidado. Quando se torna preciso seguir é porque ali não nos cabe mais e isso, não posso aceitar. 

Hoje eu sei que estava mesmo certa. O adeus veio sem abraço de despedida, sem beijo com gosto de saudade. Você insiste que não precisa tanto, só um tchau ou até logo. Como pode ser tão fácil pra você? Porque sabe, não muda muito. Não diminui o vazio que entala na garganta, engasga. Engole o peito, transborda pelos olhos com gosto amargo e nos torna repetitivos. Adeus, tchau, até logo: todos eles querem dizer seguir. Seguir sem você. 

Imagem: Freepik

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Texto definitivo para o inverno passar

Desligamos a ligação, que não era só telefônica. Não se passaram muitas horas desde aquele momento, mas o fluxo de pensamentos e lembranças, pelo contrário, acusam a passagem de alguns meses. 

Eu sei, parece tão pouco diante de uma vida inteira. Não foi toda ela que eu vivi antes de você chegar por aqui? Seja bem-vindo, eu disse, preste atenção nos detalhes. Ali tem uma pizza - "que delícia!" -; mais adiante, um ótimo lugar para ver o pôr-do-sol; no cinema, nunca vamos conseguir um filme bom. Fico me perguntando se deu tempo de lhe apresentar tudo. De me apresentar toda. E agora, a pizzaria passou a abrir também para o almoço. 

Eu sei que parece pouco diante de uma vida inteira. Mas tente sentir intensidade.
Não sei se seria possível, tem gente que já vem com essa mania boba, enquanto outros conseguem ficar só "de boa", você me dizia. Mas experimente intensidade. Cabe uma vida inteira em alguns meses. E cabem todos esses meses entalados na garganta, na hora que, em meio à rotina, um suspiro tenta, sem sucesso, expressar que é dor sim, o vazio que ficou. Parece caber só você no banco do carona, que me olha de volta também dizendo muito sobre vazio.

Ficaram lacunas, sei também. E como você sabe que adoro teorias, uma delas é a de que foram elas que nos engoliram e, por isso, a distância não nos coube mais, afinal. Foi assim que seguimos. Eu sigo. Esquecendo a panela no fogo enquanto tento encontrar palavras pra descrever nós dois, fazendo um caminho todo errado ao me distrair com um carro que lembra você. Mas não nego que ficou também, em meu tom melodramático, um medo bobo de passar por aquela rua, de voltar ao cinema sem segurar sua mão (o filme vai ser ruim mesmo!), de não conseguir apresentar a cidade ou a mim mesma novamente tão cedo. Só não ficou você. 

Imagem: Google

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Pequenos textos para o inverno passar, dia 4

É muito ruim sentir saudade e pensar que o que era tão bom chegou ao ponto de ter uma razão péssima para se esquecer. As particularidades parecem de maneira muito forte que são as únicas possíveis. Mas que besteira! Em um universo tão gigante, elas só precisam ser ressignificadas. 

A dor é física. Mesmo com toda a certeza que passa, o aqui e o agora nos afundam. Eu tento dormir o máximo possível, é minha fuga. Mas, como tudo na vida, tem sempre a hora de abrir os olhos e encarar. 

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Pequenos textos para o inverno passar, dia 2

Ocupe-se de pessoas que ocupam espaço. Aqueles que escolhem ser vazios podem até preencher alguns dias especiais e noites de tirar o fôlego, mas não passam disso. E você bem sabe, menina, o que realmente importa é quem fica. 

Se lembra quando a gente queria alguém pra preencher as noites vazias? Não vale a pena. O vazio que fica pra trás depois é maior. Se expande. Te engole.

Perceber o quão rápido tudo pode desmoronar faz você não querer desistir de algo bom, de novo.

Pequenos textos para o inverno passar, dia 1

Comecei uma faxina no meu quarto. Daquelas que tem o objetivo de servir também para a vida. 

Para começar, estou procurando lugar para cada sonho derrubado da estante. Em silêncio, retiro o que pode alimentar negatividade. E por falar em silêncio, cuidado para ele não se tornar, junto com a passividade, uma triste fuga. Paralisa. Endurece. Te torna cruel. 

Mas me diga, você sabe quanto pesa o egoísmo? Fugir da nossa responsabilidade afetiva com o outro também é ser egoísta. Eu sei, menina, que com você não é assim. O seu silêncio grita. Ensurdece.

Você mora nos detalhes. Não se sabe quem lhe ensinou a não desistir fácil. Insistir. Acreditar. Mas ei, lhe ensinaram também a prestar atenção aos sinais. Não subestime mais a tua intuição. 

quinta-feira, 22 de junho de 2017

Uma coleção de vazios

Eu poderia escrever milhares de linhas sobre todas as minhas teorias pro que aconteceu. Mas não precisamos ir tão longe. Você não me prometeu nada. E talvez o mais duro seja aprender que sorrisos e abraços não são promessas. Eles têm a ver com o presente e não com o futuro. E foi assim, foi o presente que você podia me oferecer.

Enquanto isso, eu erguia meu próprio castelo de areia e esperava você voltar do mar e topar a brincadeira. Mas o tempo, como o mar, tem ritmo próprio e essa dança não é feita de acasos. Foi assim que as ondas destruíram o castelo e as pegadas que deixamos naquela praia.

Também não é sobre querer ficar só. No fundo, a gente sabe que é sobre encontrar alguém que nos faça querer estar junto. O que doeu é não ter sido eu essa pessoa. Mesmo que eu estivesse enxergando todo o tempo que me cabia ali, exatamente ao teu lado.

Não, não precisa me olhar assim de lado, com aquele sorriso exato de mistérios e desejos. Eu sei bem que não existem culpados. Nós somos feitos de metáforas e silêncios. E a vida precisa me lembrar, por vezes, que ela mesma pode transformar tudo em poesia.